quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Granel das muitas acontecências que não devem ter lugar em 1974

- A Avenida da Liberdade (atenção, Pedro!) ser vendida aos talhões para construções imobiliárias. (Não haverá esse perigo, por enquanto, se vocês se portarem bem.)
- Serem usados foguetes silenciosos nas festas e romarias.
- Um sujeito não ser atropelado no seu corpo e nos seus direitos.
- Ter o seu passamento Inácia Coreto, a ilustre promotora de serões de arte.
- Manuela Fonseca mudar para a Colgate.
- A Rosa casar com o Xico.
- Os paralelepípedos amontoarem-se contra os poetas.
- Os executivos terem um pouco menos de energia e um pouco mais de bom senso.
- Os faróis da costa começarem a piscar para terra.
- Nuno Júdice publicar as suas Viagens Completas.
- Mário Henrique Leiria (um abraço, Mário!) beber menos gin-tonic!
- A força pública começar a usar, nas suas actuações, serpentinas multicores.
- Eusébio jogar com as botas de ouro que ganhou.
- Joaquim Agostinho dopar a sua bicicleta.
- As flores dizerem às abelhas: «Basta!»
- E, já que falei de abelhas, Fernando Lopes sair com outra longa-metragem.
- Amália Rodrigues lançar, no Estádio Nacional – e, se possível, para fora – o seu último disco de ouro.
- A nacional-caixotaria deixar de invadir as áreas urbanas, suburbanas e todas as que lhe são intermédias.
- A Televisão oferecer-nos um novo (renovado) Telejornal.
- Rodolfo Iriarte conseguir ter a secretária arrumada.
- O décimo terceiro mês ser logo a seguir ao décimo segundo ou logo antes do primeiro.
- Nixon vir a Lisboa para aumentar a sua credibilidade.
- Visconte começar e acabar “A morte em Beleza”.
- O Parlamento discutir e aprovar a Lei dos Fins.
- Uma produtora de filmes realizar a longa-metragem “A Tudo o Vento a Levou”.
- Os pianos, no âmbito de um contrato para a protecção da natureza, devolverem aos elefantes o marfim.
- Manuel Brito, da 111, abrir uma loja no Cacém.
-Os brasileiros que nos visitam deixarem de dizer que estão encantados ou emocionados por se encontrarem em Portugal.
- Os cultores da incivilidade meterem, em vez de ar, gasolina nas rodas dos seus carros.
- O “Expresso” sacudir os bandos de gralhas que nele pousam semanalmente.
- Lopes do Souto não escrever sequer de ouvido.
- Portela Filho começar a assinar Queiroz.
- Ruben A. publicar “A Retorre da Rebarbela”.
- A Antónia e o Rui Leitão porem todo o país a comer alcachofra.
- O “Cinéfilo” começar a publicar a fotonovela “Simplesmente Mário”.
- O Ritz abrir, no seu recinto, um parque de campismo.
- O Joaquim Botelho de Sousa comprar, para a sua colecção, o relógio da Estação do Rossio.
- O João Charters de Almeida abrir uma sucursal da Mancha nas Cortes, em Leiria.
- Certo locutor da rádio deixar de empregar expressões como “esta jornada revivalista” cada vez que põe a tocar discos de outros tempos.
- Os caixões terem melhor ar.
-A Marquesa de Arrobas lembrar-se (já não seria sem tempo!) da lei republicana que aboliu os títulos nobiliárquicos e passar a chamar-se Maria Teresa Eugénia Vitória da Silva Soares de Souza Rodrigues de Albuquerque e Menezes (Cortical)*.
- A Maria Aguiar deixar de ser uma simpatia.
- O rei Faiçal assinar um contrato com o Hergé para entrar nas histórias do Tim-Tim.
- O Gérard Castello-Lopes abrir uma nova sala de cinema num dos supermercados Pão de Açúcar.
- O José de Athayde deixar de gostar de cavalos.
- Os palestinianos terem a sua terra.
- Ruella Ramos apanhar a Mosca.
- O futuro deixar de ser o que, afinal, já não era.
- Cubillas ter saudades da Suiça.
- Brejnev vir assistir a uma tenta no Ribatejo.
- Os presos serem autorizados a irem a suas casas mudar de roupa.
- O ar ser, finalmente, mais leve que o ar.

*É pura coincidência.

Alexandre O’Neill, publicado n'"A Capital", a 28 de Dezembro de 1973

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