quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Das Bodas de Camacho


“A primeira coisa que Sancho viu foi uma vitela inteira, metida num espeto que era um tronco de árvore, e no fogo onde se havia de assar ardia um monte de lenha, e seis olhas que estavam à volta da fogueira não se tinham feito nas panelas comuns das outras olhas, mas em seis tinas, que em cada uma cabia uma imensidade de carne; por isso, também dentro delas havia carneiros inteiros, que nem se viam, exactamente como se fossem uns borrachos; as lebres esfoladas, e as galinhas depenadas que estavam suspensas das árvores, para irem para o caldo, não tinham conta; as aves e caça de vário género eram infinitas, penduradas também das árvores, para esfriar,. Cortou Sancho mais de sessenta odres, de mais de duas arrobas cada um, todos cheios, como depois se viu, de Vinbhos generosos; havia rimas de pão alvíssimo, como costuma haver montes de trigo nas eiras; os queijos, postos como ladrilhos empilhados, formavam uma muralha, e duas caldeiras de azeite, maiores que as de uma tinturaria, serviam para frigir coisas de massa, que com duas valentes pás se tiravam para fora e iam para dentro de outra caldeira de mel preparado, que ficava próxima. Os cozinheiros e cozinheiras passavam de cinquenta, todos asseados, diligentes e satisfeitos. No dilatado ventre da vitela estavam doze pequenos leitões, que, cozidos por cima, serviam para lhe dar sabor e fazê-la tenra; as várias especiarias parecia que se não tinham comprado aos arráteis, mas às arrobas, e estavam francas numa grande arca.
Finalmente, o aparato da boda era rústico, mas tão abundante, que podia sustentar um exército.
Para tudo Sancho Pança olhava, e a tudo se afeiçoava.”
De “O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes

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