terça-feira, 1 de janeiro de 2008

"Da Infância de Pantagruel" - ou "Abertura do Mês de Janeiro-Mês da Mortal Gula Vinicultúnica"

"(...)Direi apenas que, a cada refeição, bebia o leite quatro mil e seiscentas vacas e que foi preciso chamar todos os oleiros de Saumur, de Anjou, de Normandia, de Bramont e de Lorena para lhe fabricarem a sertã para as papas. Serviam-no numa gamela - que se encontra actualmente à desbanda do palácio de Bourges - mas o raio do cachopo tinha já uns dentes tão aguçados que, certa feita, lhe arrancou um pedaço do rebordo. Uma manhã em que queriam que mamasse numa vaca (segundo a História não conheceu outras amas), desatou os atilhos que o prendiam ao berço, e, deitando os galfarros ao animal, trincou-lhe as tetas emetade dapança, mais os fígados e os rins. E tê-lo-ia devorado inteiramente se o nutritivo animal não tivesse mugido de horror, como se uma alcateia esfomeada o estracinhasse. Acorreu a gente do palácio e, à uma, esbofando-se, intrometeu-se, puxando pela vaca, repuxando por ele. E quanto mais se afanavam, mais o marmanjo fincava õs dentes. Devo acrescentar que lhe ficaram na boca as patas do animal. Recuaram os outros, estupefactos, mas já ele, enquanto o diabo esfrega um olho, deglutia o pitéu, com teríamos feito com uma linguiça. Quiseram então tirar-lhe os ossos, não fosse engasgar-se o lambão. Penas baldadas: tragou-os com mais voracidade do que um alcatraz a um peixe. Ainda não aprendera a falar, mas, para grande espando dos circunstantes, destampou a dizer: «Bom, bom, bom» querendo significar com isso que comeria mais se lho dessem.(...)"

de Pantagruel , de François Rabelais

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