Do Silêncio de Abelardo
Abelardo chegava, sentava e calava.
Discreto, no canto menos espelhado do Piolho, Abelardo, o Cavalo que Cala, pedia o café, e, depois de o tomar, ainda quente, de um golo, ficava, cascos dianteiros cruzados em cima da mesa, fixava os mesmos cascos, sem os ver, e calava.
Calava dores, pois claro. Não as suas, não donzelas – Senhoras Éguas, ou Senhoras-Senhoras, pois que em tempos com algumas delas sonhara – mas as dores de todos os Cavalos da Equinidade.
Dores de casco muitas, esporas gravadas outras tantas, Dores de flechas crivando flancos, de lâminas decepando patas, lanças trespassando pescoços, em nome do realismo da Batalhas; Calava a sede, a fome, em esqueletos cobertos de pele, assim colocados para dar nome à Seca, ao Deserto; e as cornadas fatais em dias de infelicidade.Calava cacetadas, varadas nas costelas de Rocinante; a morte do último Unicórnio, e o triste fim nunca esclarecido daquele cavalo -seria um burro?a dor era a mesma – com cuja queixada Sansão derrubou um exército de filisteus.
Calava as penas de todos os Cavalos da História, de todos os Cavalos de todo o Mundo. Do pelo queimado dos corcéis do carro de Hélio, aos tóxicos que reduzem drasticamente as populações de cavalos-marinho. E os esforços, os castigos, sofridos às mãos de lavradores injustos, carroceiros rudes, e donos de circo cruéis.
E se, no fim de tanto calar, a hora de ir embora coincidia com mais um brinde da Tuna, que diante do seu Silêncio ensaiava, Abelardo erguia-se e calava mais alto. O brinde era seu. Pedíamos Vinho, pedíamos Broa. E Abelardo Calado, logo brindava.
Era o Brinde das Sopas de Cavalo Cansado.
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