Da Demanda de Sezaltina
Sezaltina nunca chegará a encontrar a Vinicultuna.
Mas procurá-la-á incessantemente por todo o lado.
E um dia, anos mais tarde, muitos muitos anos mais tarde, por alturas da, benzamo-nos, cruzes credo, arre-arreda-mafarrico, longe vá o agoiro, Sua Morte, não olhará para esse insucesso com amargura, como sonho interrompido ou desígnio poor cumprir antes como a sua condecoração enquanto Cavaleira do Graal.
Sezaltina nunca chegará a encontrar a Vinicultuna.
Na sua busca infindável, contará mil motivos para voltar à estrada, contará mil histórias a filhos, sobrinhos, netos, sobrinhos-netos, a um bisnetinho que então, nessa hora maldita-longe-vá-a-desdita, terá, e a muitos muitos mais ainda, médicos burros - “Isso cá para mim é cansaço”, “Está com um esgotamento”, “Deve ser princípios de Alzheimer”, “Hmm, hmm, está a fazer uma Trombose”, “Isso que me está a contar é muito estranho”.
Porque de cada vez que se escapuliu da vigilância da filha crédula e do médico burro, para rumar ao Porto guiada por sonhos, sinais, cartas, cartazes, por ideias, por lamentos, e uma vez por um motorista da carreira que já estava tocadito, Sezaltina viveu deslumbrantes peripécias. Aventuras. Loucuras.
Seguiu um cão-esperto, que a viera esperar à Central, e riu-se com as finezas do bicho a entrar nos talhos, a andar em duas patas, a prender os ladrões; a pular para as caixas das camionetas, a molhar-se nas fontes, e a roçar-se nas moças, e dormiu na sua casota;
Da vez seguinte à do Cão-Esperto, deitou-se a adivinhar como um detective, e desmascarou uma senhora que deitava remédio no chá dos velhinhos para lhes ficar com o cheque das pensões;
Foi entrevistada-de-rua para um programa de televisão – e ela até nem via o programa!;
Uma noite em que por três vezes lhe disseram que a Vinicultuna estava lá, só que quando ela chegava, a Tuna já tinha partido para ali, e ao chegar ali, tinha ido para acolá, e acolá, tinham voltado para cá, porque afinal a gente é de onde pertence, e por isso, Sezaltina voltou para a Terrinha;
Num dia de ventania, ao defender-se do vento com um guarda-chuva que lhe tapava as vistas, embarrou sem querer com um polícia, e sem querer vazou-lhe um olhinho;
Noutra noite ouviu o eco da “Feiticeira” filtrado pelas folhagens das árvores do Jardim da Cordoaria, só que quando lá chegou era só uma lagartixa, mas cantava parecido;
Perdeu o medalhão com a fotografia d'O Falecido para na mesma noite o encontrar noutro sítio, com a improvável ajuda de um cidadão Tailandês (dão de facto muito jeito – precisamos mesmo de arranjar um);
E a vez que esteve mais perto da Vinicultuna, foi quando encontrou um Professor de Matemática, mas com aspecto desarranjado, sentado na borda do passeio, com os pés na valeta, num dia a seguir a muita chuva com os bueiros entupidos, a chorar a despedida, só que Sezaltina não percebeu de quem se tratava, e deu-lhe um rebuçado de mel, para não se constipar;
Mas Sezaltina nunca chegará a encontrar a Vinicultuna.
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