quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Gulodice

"Quando eu tinha doze anos, descíamos
Todos em bando até Pointe-à-Pitre
COlhíamos sapotas e anacardos
À beira da estrada amarela
E as aves brincavam ao gato-no-poleiro
Guinchando velhas árias crioulas
A vida era em forma de drageia
Não havia nada que não fosse muito doce
E, apesar de tudo, cheio de substÂncia...

A minha ama pegava-me ao colo
Aos doze eu já era do seu tamanho
Mas ainda gostava de ter na boca
A ponta redonda e negra dos seus belos seios pesados
Estendíamo-nos atrás dos caniços
REstolhava o vento por entre as longas folhas
Agudas e polvilhadas de seda rude
A minha ama estava sempre nua
E eu, sempre despido
Assim, estendíamo-nos bem
Ela tinha um odor selvagem
E dentes brancos por toda a cara
A terra cheirava a orbenipelara
E as flores do Cogo ardente
Cobriam-nos de pólen alaranjado.

Durante três estações, tive doze anos
Porque amava tanto a minha ama
Que a não podia deixar
A minha pele tingia-se de reflexos trigueiros
Queimada ao sol da pele dela
Eu tocava-a com todas as minhas mãos à mistura
As mãos dos meus olhos, as do meu corpo
E os nossos membros fumegavam no ar estriado de negro.

Não sei como dois fósforos
Se podem confundir, mas sei
Que estávamos bem direitos um contra o outro
Como dois fósforos; e ao cabo de um instante
Um gato seria incapaz de encontrar as suas crias.

Alíás,
Mais sabia ele que as suas crias não estavam lá."

de "Cantilenas em Geleia", de Boris Vian
(Tradução de Margarida Vale de Gato)

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