domingo, 19 de fevereiro de 2006

Há Dias Descobri que...

Quero Ser Figura Típica

Hoje acordei, olhei-te e decidi
Dedicar-te a vida inteira, ó Porto
Pois se em vida, der vida a ti,
Aqui pairarei depois de morto.
Quero ser parte integrante
Tua voz, tua cor, cidade rica.
Daí digo, quando for grande,
Quero ser figura típica.

Entrar no autocarro, ir da Praça até ao Fim
A Cantar e rir em verso como o Senhor do Vale
Posso ser o motorista que não ouve mas diz sim
Ou o senhor que vai de pé, e lhe diz o que está mal.
*
Quero sentar no meu táxi, no capot apanhar sol
Quero tropeçar na rua, ser alegre borrachão
Ou àquele dizer piadas, ser malandro de urinol
Ou o papagaio loiro que repete o palavrão
*
Ser Avô que canta as Pombinhas da Catrina
Atirei o Pau ao Gato e outras canções diferentes
...Mas... porque [também] decidi
Que finado te quero aqui,
Varina,
Venderei fruta no Bolhão se estiveres na banca em frente

Empregado preguiçoso, o patrão está para fora
Fecha o tasco para o cigarro, fecha o tasco para o arejo.
Ser o tolo conhecido, canta o galo às meias-horas
Anjo azul lá no cantinho do painel de azulejos.
*
Mentiroso gabarola “comigo ninguém se mete”
O amigo agitador “corro com todos a estalo”
Mais pacato, Homem-Estátua sentadinho à Garrett
Braço em riste, perna aberta como o “Gajo do Cavalo”
*
Amola-Tesouras e Navalhas, com a gaita traz a chuva
Ou pelo passeio descalço, tiracolo, o ardina
...Mas... porque [também] decidi
Que finado te quero aqui,
Mesmo prostituta,
Escolho ser triste solitário à tua espreita na esquina

Um polícia de bigode, prestável e educado
Cavalheiro à moda antiga, às senhoras galanteios
Ser viúvo assumido, contristado, sofredor
Chorar em tons vermelhos, a derrota do Salgueiros
*
Ser velho espreita-suecas no banco de jardim
Velho-espreita-andaimes, costela de mestre de obras
Ser velha carregada, de pregão boli-berlim
Ou velha carregada, de pregão líííngua da sogra.
*
À tarde trabalhador em sorna de tripa cheia
À noite, embriagado, ser o teu pior poeta.
...Mas... porque [também] decidi
Que finado te quero aqui,
Sereia,
Serei tritão tatuado no coto sujo do maneta.

Namorado compostinho em passeio de domingo
Mão na mão da namorada, o ouvido no relato
O pé ao Engraxador, menos tinta que afinco
Pescador do rio Douro, mais tainha que pescada
*
No quiosque do Piolho, quero ser como o Tozé
“Boa tarde. O que deseja? Não pode ler o jornal!”
Ser um menino pequeno, corre a pomba a pontapé
Que vai sujar um beijo furtivo na ponte do Carregal
*
Puto sujo e reguila, que quando perde chora,
Homem que quando aperta urina na viela
...Mas... porque [também] decidi
Que finado te quero aqui,
Donzela, senhora,
Serei Tuno em serenata, à tua janela, a qualquer hora.

Porto, 19 de Fevereiro de 2006, data dupla efeméride,
Para a Tuna, e para Ela